Quando cheguei pela primeira vez à oficina do “Zé Espiga” o portão azul estava fechado. Tinham-me dito que na vila de Bucelas, perto de Lisboa, havia um tanoeiro que trabalhava numa oficina em que metade do telhado tinha desabado, por isso não sabia se esta ainda estava em funcionamento ou se já tinha encerrado definitivamente.
Esperei um pouco, dei uma volta pela vila, e passado algum tempo já o portão estava aberto. A entrada da loja parecia até bastante arranjada, mas na zona que fazia a ligação com a oficina, já quase não havia telhado. O pouco que restava da estrutura estava suportado numas escoras metálicas, que pareciam que podiam cair a qualquer momento.
No entanto isso não impedia José Quintão, ou “Zé Espiga”, como é conhecido, de continuar a fazer o que sempre fez. Herdeiro do ofício do pai, começou a trabalhar para o ajudar na construção e manutenção de barris, pipas, e selhas, quando a tanoaria ainda empregava mais quatro pessoas. Mais tarde essas quatro passaram a duas, até que ficou o Zé, o único tanoeiro que resta em Bucelas, e um dos poucos a sul do Rio Mondego.
O facto de ter sido o último que ficou não o preocupa, continua a trabalhar com dedicação, e a tentar aprender mais sobre a sua arte. À experiência de várias décadas a trabalhar a madeira, junta o conhecimento que foi adquirindo ao longo dos anos sobre várias técnicas, não apenas portuguesas, mas também japonesas, americanas, ou de outros lugares do mundo onde esta arte ainda existe.
É essa mesma experiência que lhe permite escolher o material em que trabalha, que normalmente é madeira de castanheiro ou carvalho, mas que tem de variar consoante o conteúdo que o barril irá conter. Este conteúdo muda também o próprio processo de fabrico. Por exemplo, em alguns casos pode ser necessária a aplicação de parafina, com o objectivo de amenizar os taninos do vinho.
Este tipo de experiência só pode ser adquirida ultrapassando as mais variadas dificuldades com uma dedicação extrema. Não se pode desistir quando os primeiros problemas aparecem. E o Zé não desistiu, quando foi o último tanoeiro a ficar em Bucelas, como não desistiu pelo facto de ter ficado sem metade do telhado. Continuou resiliente a trabalhar na sua arte.
Passados dois anos da minha primeira visita ao Zé, voltei a Bucelas para um almoço de amigos. Antes porém, passei na oficina do Zé para o cumprimentar. A oficina já não está como eu a recordava. O Zé tinha conseguido apoios para arranjar o telhado, e agora a entrada é um páteo aberto, que leva à oficina. As escoras metálicas desapareceram, e o Zé já não corre perigo de cada vez que vai trabalhar. Quem por lá passar já não vê a dificuldade e o perigo que estas fotos documentam. Valeu a pena o Zé não desistir da sua arte.