Quantas vezes olhamos para os itens que usamos todos os dias e nos questionamos de onde vieram, quem os criou, ou como foram feitos? Habituámos-nos de tal forma a objectos feitos em série, que assumimos que foram feitos numa fábrica qualquer, e que por isso não são artísticos, e não têm qualquer personalidade. Mas tem mesmo de ser assim?
No Japão, durante o período Meiji, surgiu um movimento artístico para questionar esta ideia. Conhecido como movimento Mingei, fundado pelo filósofo Soetsu Yanagi, defende que os itens de uso diário podem ser ao mesmo tempo artísticos, feitos à mão, baratos, e produzidos em larga escala para poderem ser usados por todos. Para além disso, ainda defende que o próprio uso diário dos objectos lhes acrescenta beleza.
Em Hikawa, perto da cidade de Izumo, na prefeitura japonesa de Shimane, existe um lugar que dá forma a esta ideia perfeitamente. Na realidade os cinco amigos que fundaram este lugar em 1947 tinham precisamente este movimento em mente quando decidiram construir um estúdio e forno de olaria. Chamaram-lhe Shussai Gama, devido à zona onde se encontra localizado.
Um dos principais artesãos aqui é o senhor Inoue. Homem de meia idade, dá forma a várias peças na roda de oleiro, mas também é responsável por garantir que cada objecto que sai da oficina encontra os mais elevados padrões de qualidade.
Confessa-me que “encontra a verdadeira felicidade quando sabe que cada um dos objectos que cria é usado pelas pessoas em suas casas todos os dias, e lhes proporciona a mesma alegria que ele teve ao criá-los”. Este sentimento traduz na perfeição a filosofia Mingei: objectos artísticos de qualidade feitos à mão para o uso e benefício do maior número de pessoas possível.
Há uma mistura de oleiros residentes, alguns dos quais filhos dos fundadores originais, outros que são estudantes de arte que ali vão para aprendizagem, e saem depois de algum tempo. Aprendem a dar forma às peças, a usar os fornos Nobori Gama (fornos de degraus), e a produzir o brilho para cada um dos objectos. Um destes brilhos é único deste local. Conhecido por Azul Shussai, é reconhecido em todo o Japão por especialistas em olaria.
Na oficina, cerca de vinte pessoas trabalham diligentemente para garantir que todas as peças estão prontas para ir ao forno. Só se acende o forno três ou quatro vezes ao ano, por isso é crucial que nessas alturas nada falhe.
Na comunidade de artesãos no mundo inteiro diz-se que as peças que um artesão faz à mão, de alguma forma capturam uma pequena parte da sua alma ou personalidade. Não sei se é verdade ou não, mas posso assegurar que quando uso as duas taças Shussai Gama que tenho em casa para beber chá, sinto-me verdadeiramente feliz, tal como era a intenção do senhor Inoue.